sábado, 25 de abril de 2009

Professora conta como derrubou preconceitos ao assumir transexualidade


Professora nos ensinos primário, fundamental e médio em Embu das Artes, Geanne Greggio, 32 anos, se transformou em um dos principais nomes na defesa dos direitos de travestis e transexuais nessa pequena cidade da Grande São Paulo.
Nascida em Jaboticabal, interior do Estado, Geanne é uma figura singular. Articulada e extrovertida, ela usa sua inteligência para conquistar admiração. O fato de ter assumido sua mudança de sexo apenas aos 23 anos não chega a incomodá-la. Ela defende que sua decisão teve um motivo: queria ser antes respeitada por sua história de vida do que por sua simples condição de travesti.
Em entrevista exclusiva ao site A Capa, Geanne fala um pouco sobre sua trajetória, explica por que acredita que o estigma contra as travestis pode ser derrubado e conta como enfrentou o preconceito ao assumir sua transexualidade. Leia a seguir.
Me conte um pouco sobre você. Soube que sua história é um pouco diferente de outras travestis...
Eu nasci no interior de São Paulo, em Jaboticabal. Fui uma criança que brincava muito, era bem moleque para ser sincera. Sou caçula de uma família de quatro irmãos e sempre fui muito independente. Toda a minha família me apoia.
Você é professora da rede pública em Embu das Artes. Como surgiu o interesse em se dedicar à educação, mesmo sabendo que esse meio ainda é muito preconceituoso?
Eu fiz faculdade muito cedo. Estudei Letras por opção e também para realizar o sonho de minha mãe, que sempre quis ter uma filha professora. Foi aí que me encontrei. Aos 19 anos já estava dando aulas no interior e, mais tarde, me mudei para Embu das Artes. Era para eu ficar apenas um ano e estou aqui há 10. Vim para cá como homem, foi só quando completei 23 que eu decidi pela adequação. Deixei os cabelos crescerem, fiz laser para tirar alguns pelos e fui mudando gradativamente. Esse processo durou mais ou menos três anos. A maioria das travestis começa bem cedo e depois não consegue encarar a sociedade. Elas trabalham em empregos comuns, o que nunca foi meu objetivo: resolvi estudar primeiro, me estabilizar. Aqui em Embu sou professora do Estado, dou aulas de português e inglês, e na Prefeitura sou coordenadora de uma escola.
Como seus colegas de trabalho e alunos lidam com o fato de você ser transexual? Já foi vítima de preconceito?
O preconceito existe sim, em todo o lugar, mas quando você tem um objetivo e mostra para as pessoas que tem um lado profissional, elas acabam te respeitando. Estou na educação há 11 anos e aprendi a lidar com isso. Os alunos, pais e direção me respeitam, embora eu ainda tenha dificuldade com os outros professores e diretores. Pais e alunos sempre me olharam como eu os trato e, se você age dessa maneira, você recebe isso de volta. Essa é a base da minha vida profissional.
De que forma você luta contra esse preconceito? Como acredita que ele pode ser abrandado em todas as esferas da sociedade?
Eu acredito que o preconceito pode ser combatido, pois a partir do momento que as pessoas conhecem melhor uma travesti ou transexual que trabalha, que é profissional, elas acabam olhando com outros olhos. Trabalhar na formação de cidadãos conscientes e críticos faz parte da minha profissão. Que tipo de ser humano quero formar? Um ser humano crítico, um ser pensante e sem preconceitos.
Recentemente, a imprensa noticiou o caso do professor no DF que foi demitido de uma escola por tocar uma música sobre beijo lésbico. Você acompanhou o caso? Qual foi a sua reação?
Acompanhei o caso desse professor e achei um grande absurdo. Tanto a música ("I Kissed a Girl") quanto a cantora (Katy Perry) fazem parte do cotidiano dos adolescentes. Não vejo mal nenhum trabalhar a diversidade. Realmente, foi um ato de discriminação. Como professora, não posso aceitar o fato e ficar calada.
Como governo e a sociedade civil podem contribuir para a total inserção de travestis e transexuais no mercado de trabalho?
O Governo poderia abrir mais espaço nas escolas, trabalhar melhor o corpo docente e prepará-lo para essa realidade. As Ongs poderiam oferecer mais cursos profissionalizantes para que as travestis possam ter mais emprego e outras opções além da prostituição.
Li que você nunca se prostituiu e acredita que a prostituição de certa forma contribui para a estigmatização das travestis. Ao seu ver, como é possível derrubar esse estigma?
Não tenho nada contra quem faz, mas tudo depende da visibilidade que você quer ter. Se quiser ser tratada como uma pessoa comum, então faça coisas como uma pessoa comum. Invista num trabalho, estude, constitua uma família. Infelizmente, a sociedade sempre associa as travestis à prostituição. Eu quebrei muitos pré-conceitos e derrubei esse estigma provando que você pode ser diferente, que existe um outro lado também, mais sério.
Você já conseguiu mudar seu nome no R.G.? Em qual passo você se encontra nessa batalha?
Estou no processo de mudança do meu nome. Dei entrada há pouco tempo, mas meu advogado está confiante e tenho certeza que sairei vitoriosa.
Você já pensou em se submeter à cirurgia de adequação sexual? Por quê?
Ainda não me vejo preparada para isso e, mesmo sem a operação, nunca deixei de me sentir mulher. O fato de ser mulher não recai apenas na genitália, está na alma, no coração.
Entrando um pouco na sua vida pessoal, você namora? Assume seu relacionamento para colegas e amigos?
Sou casada há três anos, tenho um marido que me respeita como mulher e me vê como mulher. Ele me assume para a família, amigos, em todos os lugares. Nunca me tratou de forma diferente, muito pelo contrário.
Você acha que tornar pública sua vida pessoal te prejudica de alguma maneira?Ser uma pessoa pública ajuda a desmistificar que toda travesti só faz programa, que usa drogas e se marginaliza. Eu faço tudo isso exatamente para mostrar para as pessoas que existe um lado sério, profissional, emocional, enfim, um ser humano como qualquer outro e que merece respeito.
O que diria para as outras travestis, que, diferentemente de você, têm medo de lutar por seus direitos?
Só conseguiremos alcançar nossos objetivos lutando, combatendo a discriminação com políticas corretas para nossa classe, exigindo e dando respeito. Acho que devemos aparecer mais, ter mais espaço na mídia e mostrar para as pessoas que ninguém é obrigado a aceitar nada, mas respeitar. Todos queremos lutar e conquistar espaço!
FONTE: site A CAPA